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Análise
Ruy Martins Altenfelder Silva
Crise das Santas Casas evidencia a
situação crítica dos hospitais filantrópicos,
que respondem por mais da metade dos
atendimentos realizados pelo SUS.
P
rimeiro centro de tratamento de esclerose múltipla
do país. Maior cadastro de doadores de medula óssea.
Hemocentro que abastece nove hospitais. Referência em aten-
dimento de emergência, ortopedia, pediatria e serviços de alta
complexidade, como neurocirurgia e transplante. Núcleo de
ensino com relevantes pesquisas técnico-científicas. Esse rá-
pido perfil retrataria à perfeição um complexo hospitalar de
primeiro mundo. Mas esse é lado bom da moeda. Na reali-
dade, o cenário revela a enorme capacidade da Santa Casa de
São Paulo em driblar dificuldades e obter significativos resul-
tados num Brasil que nunca deu à saúde a prioridade devida e
nem se preocupou em assegurar a igualdade de qualidade no
atendimento aos pacientes da rede pública.
Aliás, a percepção da precariedade da saúde pública pela
sociedade foi novamente confirmada por recente pesqui-
sa realizada pelo Datafolha a pedido do Conselho Federal
de Medicina (CFM) e da Associação Paulista de Medicina
(APM), que quis ouvir a opinião dos maiores interessados
na questão, que são os cidadãos. Embora não traga nenhu-
ma surpresa, as conclusões são, no mínimo, preocupantes:
63% atribuem nota de zero a quatro à saúde como um todo
e 51% assim classificam o atendimento do Sistema Único de
Saúde(SUS). Destaque-se que 94% dos entrevistados busca-
ram atendimento no SUS nos últimos dois anos.
Embora restrita aos paulistas, os números da pesquisa ape-
nas confirmam a percepção dos médicos, dos profissionais da
saúde e dos pacientes e evidenciam a fragilidade das políti-
cas públicas para a área e os gargalos de gestão, analisa Desiré
Callegari, secretário do CFM. A nota da entidade é mais con-
tundente, ao afirmar que tais fatores denunciam o descom-
promisso dos gestores, especialmente em nível federal, para
com a rede pública de saúde, como revelado em
diferentes análises do Tribunal de Contas da União
e da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara dos Deputados.
Um dos mais graves problemas apontados é a
dificuldade de acesso a prontos-socorros, situação
inaceitável que se repte nas consultas, cirurgias e
exames diagnósticos, havendo pacientes que espe-
ram há mais de um ano por atendimento em con-
sultório, por exemplo. O conselho destaca também,
como grave distorção, o fato de que 47% têm difi-
culdade de acesso a pronto-socorro, que é a porta de
entrada e de triagem para a utilização dos restantes
serviços da rede pública de saúde. No quesito inter-
nação, 50% reclamam de demora excessiva – o que
não é de estranhar, pois 13 mil leitos foram desativa-
dos nos últimos anos.
Nesse cenário de precariedade geral, a notícia do
fechamento do pronto-atendimento da Santa Casa
de São Paulo caiu como uma bomba, por trazer à
tona a ameaça que paira sobre quase todas as mi-
sericórdias do país: a insustentável defasagem entre
os repasses que recebem do SUS e os custos dos ser-
viços que prestam gratuitamente, como entidades
filantrópicas, o que gera crescentes déficits e risco de
corte de entrega de medicamentos e outros produtos
sxc.hu
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