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astou mais uma fagulha acesa nos Bálcãs para ex-
plodir o barril de pólvora emque se transformara
a Europa no início do século XX, dando origem a um
dos conflitos armados mais letais da história da huma-
nidade. Há exatos 100 anos, com a invasão da Sérvia
pela Áustria-Hungria, começava a sangrenta I Grande
Guerra, durante a qual morreriam mais de 15 milhões
de pessoas, entre soldados e civis. O fato determinan-
te para o início do conflito foram os tiros disparados
pelo separatista sérvio Gravilo Princip, pertencente à
associação secreta Mão Negra, que assassinaram o ar-
quiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do
Império Austro-Húngaro, e sua esposa, a duquesa Sofia
de Hohenberg, em Serajevo, capital da então Bósnia-
Herzegóvina. Mas, na verdade, as feridas já estavam
expostas há tempos.
Desde o século 14, a Península Balcânica foi um cal-
deirão de conflitos provocados por disputas étnicas,
religiosas e expansionistas, envolvendo grandes potên-
cias, como a Rússia e o Império Otomano (turco), por
sua posição estratégica. Chegou a um rápido período
de tranquilidade, de 1945 a meados dos anos 1990, en-
quanto a mão pesada do stalinista marechal Tito man-
teve vários países reunidos na República da Iugoslávia,
que começou a se desmantelar com a morte do líder,
em1980. Consumado o desmembramento, retornaram
os conflitos, muitos dos quais ainda estão bem vivos
na memória das atuais gerações: a Guerra do Kosovo,
a Guerra da Bósnia, os conflitos entre os croatas e os
sérvios, marcadas por genocídios, grande crueldade e
muita violência.
Com o desenvolvimento da segunda revolução in-
dustrial, a partir de 1860, as nações europeias mais po-
derosas, em especial França e Inglaterra – precisavam
aumentar sua influência no mundo para conseguir
matérias-primas mais baratas e, ao mesmo tempo, ter
a quem vender os produtos manufaturados produzidos
em larga escala. Iniciou-se, então, o processo conheci-
do como Partilha da África e da Ásia, com a divisão
de territórios entre as superpotências. “Com o suces-
so das unificações italiana e alemã, esses novos países
passaram a reivindicar um espaço no mundo diplomá-
tico, a fim de participar da exploração do novo mundo
colonial, acirrando as disputas”, afirma o historiador
Alexandre Hecker, professor de história contemporânea
da Universidade Mackenzie.
Declarações de guerra.
A concorrência pelos
grandes mercados consumidores da África e da Ásia
foi o que bastou para a deflagrar a corrida armamen-
tista no princípio do século 20, com o militarismo
exacerbado, que crescia com as pendências territoriais
e com perigosos jogos de alianças entre as nações. A
Alemanha aumentou seu orçamento militar em 335%;
a Inglaterra em 214%; a Áustria-Hungria em 155%; e a
França em 133%. Formaram-se, então, dois blocos de
países aliados. De um lado a Tríplice Aliança ou dos
Poderes Centrais, comAlemanha, Áustria-Hungria e o
Império Otomano, e mais tarde a Bulgária; e do outro
a Tríplice Entente (aliados), com França, Inglaterra e
Rússia, e depois a associação de mais de 20 países, en-
tre eles Itália, Japão e Estados Unidos.
Quando o Império Austro-Húngaro declarou guerra
à Servia, os russos, em nome da pan-eslavismo que
defendiam, declararam guerra aos austro-húngaros,
revivendo velhos atritos entre os dois países. Esses ga-
nharam imediatamente apoio alemão, que tambémde-
clarou guerra à Rússia. Não demorou para que França
e Inglaterra também declarassem guerra à Alemanha
e a Áustria-Hungria. Naquele tempo, os conflitos ar-
mados não eram vistos como tragédias humanas, mas,
sim, como um instrumento legítimo da política inter-
nacional. “A I Guerra foi o primeiro conflito com o
envolvimento da população civil. Uma guerra contra
o povo, que colocou em xeque a ética humanitária”,
ressalta Hecker.
O desenvolvimento tecnológico decorrente da re-
volução industrial trouxe inovações que provocaram
verdadeiros genocídios, como os ataques indiscri-
minados de tanques, aviões (recém-inventados por
Santos Dumont), canhões de grande potência, subma-
rinos, metralhadoras e granadas. Os alemães chega-
ram a lançar gases venenosos nos campos de batalha,
que causaram grande repulsa, tanto que em 1925, na
Convenção de Genebra, o mundo se comprometia
a não usar armas químicas, num tratado que não se
mostrou totalmente eficaz.
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