E
ntre os instrumentos usa-
dos pelos atores políticos
para obter vitórias, um é
típico da civilização do
consumo e abriga o cam-
po do simbolismo. É conhecido co-
mo marketing político. Tem origem
na liturgia do poder, fazendo-se pre-
sente na história da humanidade co-
mo sistema de camuflagem para la-
pidar a imagem de governantes, im-
peradores, reis, príncipes, presiden-
tes, políticos e celebridades. Quinto
Túlio já o experimentava em 64 a.C.
quando aconselhava o irmão Marco
Cícero, famoso tribuno romano, can-
didato ao consulado, a se apresentar
como um “homemnovo, bemprepa-
rado para conseguir a adesão entu-
siasmada do povo”. César calculava os
gestos públicos.
Já Maquiavel ensinava o Príncipe
a divertir o povo com festas e jogos.
Luís XIV desfilava nos espetáculos
que promovia. Napoleão era um pa-
vão vestido de púrpura quando se co-
roou para receber a bênção do papa
em Notre Dame. Hitler foi treinado
emaulas de declamação (por umpro-
fessor de oratória chamado Basil) pa-
ra agitar as massas, usou a cruz gama-
da para propagar o nazismo, poden-
do-se dizer que o marketing político
ganha status profissional sob o co-
mando de Joseph Goebbels, o
mar-
queteiro
hitlerista.
Pois bem, essa engenharia de en-
cantamento das massas aportou há
mais de cinco décadas no Brasil para
criar uma cultura de elevação do Es-
tado-espetáculo. Em 1960, tivemos
as primeiras campanhas marque-
teiras. Começou com a mobilização
das massas nas ruas. Passou pela
adoção de símbolos, cores e cantos
até ganhar, nos tempos atuais, uma
dimensão pirotécnica, principalmen-
te ao privilegiar a forma sobre o con-
teúdo. Nesse caso, políticos costu-
mam ser transformados em figuras
mais artificiais. Esse é um desvio do
bom marketing.
Slogans
se anteci-
pam a programas (quem não se lem-
bra do Fome Zero e do PAC?). Im-
planta-se a telecracia, em que atores
canhestros são ensinados a engabelar
a fé dos tele-eleitores. Não é de admi-
rar que a representação política, plas-
mada pela cosmética mercadológica,
acabe criando imenso vácuo nomeio
social. Na eleição do ano 2016, os
eleitores não entrarammuito no jogo
do marketing.
A transformação da política em
extensão do
show business
tem sido o
ofício de uma classe treinada para
ampliar os limites do Estado-
espetáculo a fimde garantir o sucesso
de seus clientes. Os nossos profissio-
nais, alguns muito bons como Chico
Santa Rita ou o guru das pesquisas e
da neurociência aplicada à propagan-
da, Lavareda (no livro
Neuropropa-
ganda de A a Z
, o cientista social An-
tonio Lavareda e o jornalista João Pau-
lo Castro selecionam e explicam co-
MARKETING
POLÍTICO
DERROTADO?
Gaudêncio Torquato
é jornalista, professor titular
da USP, consultor político
e de comunicação, e conselheiro
do CIEE
»
OPINIÃO
GAUDÊNCIO TORQUATO
Servfoto
A grande
distância entre
a imagem
dos entes
governativos e a
realidade social
transforma o
instrumento do
marketing em
arma mortal
contra ele
próprio.
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Agitação | CIEE